Blogue de gente de verbo fácil e língua afiada como uma espada de hara-kiri. Alimentado por: Conde, DeNunes, Dulcineia, Edgarganta, Gaja do Teatro, Goretti, Grace Kelly, Jaimemorto, Mousezinger, Romero, Stôra e Toni Ciganita

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

vida humana?

Caros tertulianos,

Desculpem-me desde já se vos parecer que estou a fazer campanha pois não é isso que pretendo (apesar de não esconder que vou votar não no próximo domingo).

Este é apenas um desabafo de cientista que tem visto e ouvido a ciência a ser altropelada durante este debate e ajustada à conveniência de cada um. Hoje de manhã ouvi na TSF uma cientista (vulgo a Clara Pinto Correia) a dizer que a ciência não pode de forma alguma determinar quando começa a vida humana. Ora isto é puro engano. Cientificamente não há qualquer discussão. A vida humana, como a de qualquer ser vivo, começa no ovo e desenvolve-se num contínuo até à morte. Está vivo (isso é perfeitamente claro cientificamente pois as células dividem-se, os orgãos formam-se e organizam-se, o coração bate) e é da espécie humana, logo é vida humana, isso é incontestável.

O que é legítimo discutir filosficamente/eticamente é se toda a vida humana é pessoa humana, ou seja, se podemos definir (e com que critérios) que ser pessoa humana implica consciência ou capacidade de sofrimento ou o simples facto jurídico de se ter nascido.
Outra coisa que podemos discutir é se do ponto de vista ético, aquilo que uma gravidez não desejada implica na vida de uma mulher tem ou não um valor equivalente ou superior ao da protecção daquela vida.
Podemos ainda ser pragmáticos e achar que uma vez que os abortos se praticam à mesma (e logo aquelas vidas são perdidas à mesma) se não se justificará então fazê-lo de uma forma em que não ameace também a da mulher.
Mas o que não podemos fazer (e que eu como cientista estou FARTA de ouvir por aí) é dizer que não se sabe se é vida humana.

Eu, pessoalmente, acho que a vida dos nossos filhos não nos pertence. Acho que temos toda a legitimidade para decidir de acordo com a nossa liberdade individual como viver a nossa sexualidade. Mas também acho que a nossa liberdade termina onde começa a do outro e esse feto, embrião como lhe queriam chamar não é pertença minha é outro ser humano. E por isso acho que só é legítimo interomper essa vida se a da mulher estiver em causa (porque aí o valor ético dos dois lados da balança é equivalente e nesse caso depende obviamente da consciência individual).

Acho que esta não é uma questão de moral sexual, nem de moral religiosa, mas só de protecção da vida humana (a mesma que é advogada nas cartas dos direitos do homem e dos direitos da criança).

É claro que também me chateia os fanáticos do não usarem argumentos emotivos e religiosos. Mas ultimamente ver a ciência distorcida para se moldar aos argumentos do sim também me parece igualmente falacioso.

Votem sim ou votem não, mas não digam que não é vida humana. Porque na verdade se não fosse não ouviamos tantas vezes eu sou contra o aborto, mas a favor da despenalização. Se na verdade não fosse vida humana, não haveria qualquer problema nisto tudo. A verdade é que é e isso põe-nos face a um dilema ético que cada um saberá equacionar de acordo com a sua consciência. Só não gosto quando trocam as voltas ao problema para ser mais fácil dizer que sim.

Desculpem se me empolguei (tenho tendência para isso) e mais uma vez afirmo que acho legítimas as duas posições mas queria apenas esclarecer o que é que cientificamente estava em jogo.

inté e viva a democracia!

9 Comments:

Blogger Ricardo Machado said...

Escrevi um comentário com 50mil linhas e no fim não foi postado! bolas!

1:50 da tarde

 
Blogger Ricardo Machado said...

O que queria dizer era que os adeptos do "sim" não são a favor da morte ou da ausência de vida. Esse é um argumento desonesto e irritante que deita abaixo qq possibilidade de discussão saudável.

1:52 da tarde

 
Blogger Ricardo Machado said...

Não estou a dizer que tenhas sido tu a usar esse argumento, mas foi utilizado ao longo da campanha deste referendo por parte dos apoiantes do "não" para acusar os do "sim" de assassinos em série.
Eu por mim falo: Não faria um aborto por pessoalmente não encaixar com os meus valores (e porque encaro uma gravidez como desejada). Tenho perfeita noção das consequências dos actos sexuais. Em última análise considero que um embrião imaturo é já um sistema a lutar para a vida e que devo com todas as forças apoiar e proteger esse caminho (porque sou responsável por ele). Sou totalmente a favor dos direitos Humanos (mulheres e
crianças) e por eles devo lutar. Assim fui ensinado (num meio ateu, espante-se!!) e assim ensinarei. Não me sinto, contudo, no direito de impor as minhas ideias aos milhares de diferentes casos de intenções de ig. Quem sou eu para apontar o dedo a uma rapariga que foi violada pelo pai? Sim estes casos existem, são frequentes e reais. Os direitos humanos tb se aplicam!

2:22 da tarde

 
Blogger Ricardo Machado said...

Acho que esta postura, a de previligiar a escolha individual e não impor um canone moral, é perfeitamente compatível com a defesa da vida. A saúde da mulher tb deveria ser tido em conta, não acho isso nada imoral. Infelizmente não é apenas a questão filosófica, moral ou religiosa que está em cima da mesa. Por isso votarei no quadradinho do sim, sem ter qq tipo de sentimentos de incoerência com a vida.

2:28 da tarde

 
Blogger Ricardo Machado said...

isto são só desabafos soltos que calharam no teu post, mas que não têm função de resposta ao mesmo.

4:47 da tarde

 
Blogger gracekelly said...

pequenos esclarecimentos:

a lei actual permite que uma mulher violada faça um aborto

assim como uma mulher em que uma gravidez provoque problemas de saúde

7:59 da tarde

 
Blogger gracekelly said...

impor um código moral (ou ético) como eu prefiro chamar-lhe é o que fazem todas as leis. nós não ficamos à espera da liberdade individual de cada um para a obrigatoriedade de pagar impostos, ou para impor que não seja lícito agredir alguém fisicamente, ou para prevenir injustiças laborais...

toda a lei é de facto uma "imposição" dos valores aceites pela maioria

se ganhar o sim, também se estão a impor os valores de uns sobre os restantes que não partilham desses valores

simplesmente como estamos em democracia podemos escolher quais são os valores que queremos ver impostos

mas toda a existência de lei é precisamente isso (para proteger os direitos de todos, é simultaneamente necessário que todos se submetam a um código comum)

11:40 da tarde

 
Blogger gracekelly said...

finalmente tenho apenas a dier que esta não é uma questão de liberdade individual porque há duas vidas em causa (não há só a da mulher ou a do casal), por isso não se trata da liberdade de um indivíduo, mas da de dois..

a partir daí estamos num dilema ético em que muitos argumentos poderão ser tidos em conta para fazer pesar a balança para um lado ou para o outro, mas não é uma questão de liberdade individual

ainda hoje estive a ouvir um professor de ética médica que é pelo sim dizer isto muito claramente

simplesmente ele acredita num estatuto progressivo do valor ético da vida de um embrião humano e por isso acha que muito no início poderá haver razões válidas que justifiquem a interrupção

mas ele mesmo diz que é vida humana e que esta não é uma questão de liberdade individual (em ética isso só acontece quando a decisão só afecta o próprio - o suícido por exemplo ou recusar um tratamento médico, isso são questões de liberdade individual, esta não é)

e por aqui me calo

boa ida às urnas

viva a democracia

11:46 da tarde

 
Blogger Ricardo Machado said...

Os esclarecimentos que fazes são já do meu conhecimento. Apenas queria dizer que o "não" por vezes não contempla o conceito de vida nessas situações. Não sei porquê.

Em relação às imposições, é obvio que todos teremos que viver com acordos de convivência e conveniência social, sejam elas leis, ou outro tipo de regras para regular a fluidez intestinal da sociedade, mas mesmo estas podem ser alteradas conforme a situação contextual presente, geralmente quando se reconhece que outras questões não são resolvidas por existir um factor jurídico impeditivo. Esse é que é o grande desafio da nossa sociedade, o mudar para algo mais eficaz: embora o "eficaz" choque muitas vezes com valores morais (ou éticos, para ser mais generalista) e academistas. Penso que dentro da imposição, a solução que obtiver maior consenso e for de maior benifício para a saúde pública, será a melhor. Não podemos é ignorar a situação que existe nos bastidores: Este negócio sem escrúpulos do chafurdanço nas barrigas das mulheres.
E viva a Democracia, que é um valor conquistado.

10:59 da manhã

 

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