ainda sobre espíritos de trás os montes

ESPIRITO DO LUGAR

Se perguntarem quem é faz-se silêncio.
Todos já o viram, já o sentiram e ninguém sabe quem é.
É o que não se vê, nunca está onde está.
Esconde-se ns vazios, nos negativos, nos rios.
Passa nos intervalos, foge de esguelha, veste-se de viés
e toca...

Chamam-lhe o lobo, o anjo, o diabo.
Está sempre ali, não é divino, nem profano, homem ou bicho
Prepara o dia antes dele começar e fecha a luz á noite
É quem anuncia a vida, o pão, a chegada da solidão
A contracena dos homens sós
e toca...

Toca o sino porque é o mais alto
É o grande arquitecto dos acasos, acasos, acasos
O eco

De dia puxa a carroça que há-de passar mais tarde
Leva o arado a pastar na sombra
Equilibra os fardos nas tranças de linho
Vigia o gado de quem se dorme ao sol
Assa castanhas e desfia manhas
e...

De noite fecha as portas, embala as ovelhas
Coça as orelhas com a pata e mata
Rouba fumeiros e fuma-os inteiros
E ata e desata e ata e desata
Azul turqueza por todo o lado

Todos o sabem, todos o sentem e ouvem
Ouvir com olhos de ver, olhos de cheirar
Toca as músicas de rimar connosco
Toca aquela, aquela de aquecer, de ser,
de amar, de esquecer, transformar e morrer

toca os galos, os sinos e os ossos
toca aquelas de embalar, nanar e adormecer,
aquelas de ir embora, atravessar e lá ficar
outras de confessar, bem orar
e toca, toca, toca-nos,

não ouvem...?