Blogue de gente de verbo fácil e língua afiada como uma espada de hara-kiri. Alimentado por: Conde, DeNunes, Dulcineia, Edgarganta, Gaja do Teatro, Goretti, Grace Kelly, Jaimemorto, Mousezinger, Romero, Stôra e Toni Ciganita

segunda-feira, maio 16, 2005

Diga lá outra vêz quanto custa ?!

Esta foi a resposta de Adolfo Luxúria Canibal (vocalista do
grupo Mão Morta) à questão levantada sobre os preços serem mais
caros em Portugal que no resto da Europa:

"Mas a culpa é só nossa, dos portugueses! Nós é que temos o culto do caro,

resquício de um velho complexo de inferioridade e sintoma de povo
novo-rico (sim, apesar de tudo, apesar de sermos os mais pobres
da UE - pelo menos antes do último alargamento) , o que é certo é
que grande parte - a maioria? - da nossa classe média tem
scendência campesina e há quarenta anos andava de pé descalço).
Nós é que achamos que se não for caro não tem qualidade,
envergonhamo-nos de achar caro ou de pedir mais barato, que nos
tomem por pelintras... Nós é que temos o culto das marcas, tanto
maior quanto mais caras surjam no mercado, culto esse que no
estrangeiro está circunscrito aos suburbanos e aos grupos étnicos
deixados à margem, como forma de afirmação social. Nós é que
criamos a aura dos produtos caros como sinónimo da alto standing,
como sinal de pertença a uma élite, como prestígio. E qualquer
aprendiz de marketing percebe imediatamente isso, percebe que no
mercado português uma marca ou um produto impõe-se pelo preço
excessivo, ganha renome não pela qualidade mas pelo preço, com a
vantagem dessa estratégia ainda aumentar a margem de mais-valia
para o fabricante ou vendedor.
A FNAC é um exemplo, com os discos à venda em Portugal bem mais
caros que os mesmos discos à venda em França, na mesma FNAC (e
com o mesmo IVA!). Mas o exemplo mais chocante é o da IKEA: para
se implantar em Portugal aumentou os preços em relação aos
praticados noutros países (onde a sua estratégia de implantação é
exactamente a de preços muito baratos para um design moderno) e,
ainda tendo a concorrência da Habitat (que em Portugal já
praticava preços mais altos do que em França, p.ex.), comprou a
Habitat Portugal e baixou-lhe drásticamente os preços, questão
de ficar com o prestígio de marca cara, logo apetecível, e mandar
a Habitat para o desprestígio de marca popularucha, ao alcance de
qualquer bolsa!... Mas já a Zara não teve que aumentar os preços,
pouco depois de abrir as primeiras lojas em Portugal, para se
manter concorrencial e apetecível ao público? As máquinas
fotográficas não são bem mais baratas nos Office Centers do que
nas FNACs e as pessoas não preferem comprar na FNAC, que é mais
prestigiante?
Em tempos, numa Francesice para a Antena 3, contei a história da
turista portuguesa que entrou numa loja parisiense a perguntar o
preço de uma camisola que estava na montra. A empregada disse-lhe
o preço e acrescentou, numa honestidade a que nós não estamos
habituados, que era cara, que tinha mais barato (pressupondo que
para a mesma qualidade ou superior); não é que a portuguesa levou
aquilo como um insulto pessoal, como uma insinuação de que não
terias posses para comprar a camisola, e desatou aos berros,
dizendo que tinha dinheiro para comprar a camisola, as camisolas
todas da loja, a própria loja!... É esta a nossa mentalidade, e
enquanto continuar a ser continuaremos a levar com os preços mais
caros da Europa (para salários três e quatro vezes mais baixos)!"

Abraços Adolfo LC

1 Comments:

Blogger Ricardo Machado said...

Lindo!
Um dos poucos portugueses lúcidos!

12:10 da tarde

 

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